Desenvolvi um processo de assessoramento à empresa REVISTA FERROVIÁRIA, que editava a revista de mesmo nome, a mais longeva publicação setorial do Brasil, bem como promovia bianualmente a feira NEGÓCIOS NOS TRILHOS, o maior evento deste setor em toda América Latina, ocupando vários pavilhões do Cento de Exposições do Anhembi, na cidade de São Paulo.
Uma Retrospectiva Histórica
Fundada em janeiro de 1940, no Rio de Janeiro, pelo engenheiro Rubem Vaz Toller — profissional da antiga Estrada de Ferro Central do Brasil —, a Revista Ferroviária é a mais antiga publicação técnica setorial em circulação no Brasil.
Criada para divulgar avanços tecnológicos e estimular o desenvolvimento da malha ferroviária nacional, a revista consolidou-se ao longo das décadas como um referencial histórico e técnico para engenheiros, gestores e formuladores de políticas públicas de transporte.
A direção passou posteriormente ao cunhado de Rubem, Jorge Moraes Gomes, que conduziu a publicação por mais de quatro décadas, até ser sucedida, em 1983, por Gerson Toller Gomes, filho do fundador, cuja liderança idealista e perseverante marcou uma nova era para o periódico.
Foi nesse contexto que se iniciou a minha interação profissional com a empresa.
O Contexto e os Primeiros Diagnósticos
A minha atuação junto à Revista Ferroviária (RF) — a mais tradicional publicação do setor ferroviário brasileiro — teve início a pedido de um amigo comum do seu editor e proprietário, Gerson Toller, que enfrentava sérias dificuldades gerenciais e financeiras na condução de sua empresa.
Desde o primeiro contato, estabeleceu-se entre nós uma empatia imediata. Percebi em Gerson a figura de um idealista de rara integridade, que dedicara sua vida à defesa do transporte ferroviário como espinha dorsal do sistema logístico nacional, em contraposição à equivocada priorização rodoviária adotada no país a partir da década de 1950.
Apesar das adversidades financeiras, Gerson mantinha com obstinação a publicação mensal e ininterrupta da revista, sustentando uma linha editorial independente e tecnicamente sólida.
Contudo, as receitas provenientes de assinaturas e vendas avulsas não cobriam os altos custos de produção, e a viabilidade financeira era garantida apenas pelos resultados obtidos com a realização bianual da feira Negócios nos Trilhos (NT) — o maior evento ferroviário da América Latina, que ocupava vários pavilhões do Anhembi, em São Paulo, reunindo expositores nacionais e internacionais.
Compareci a uma dessas edições e fiquei impressionado com sua grandiosidade e com o prestígio que o evento havia conquistado no setor.
O Processo de Análise Estratégica
Concluída minha contratação, iniciei o trabalho aplicando minha metodologia consagrada de diagnóstico estratégico, baseada em entrevistas e análises setoriais abrangentes.
Nesse caso, o ciclo de entrevistas foi particularmente rico e abrangente. Tive oportunidade de dialogar com autoridades e executivos de referência no setor ferroviário, todos unânimes em reconhecer a importância histórica e técnica da Revista Ferroviária.
Entre eles, destaco o CEO da MRS Logística, o presidente da Iochpe-Maxion, dirigentes da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) e outros profissionais de notório saber técnico.
Durante essas visitas, pude observar de perto o alto grau de modernização tecnológica do setor ferroviário brasileiro. Em uma das reuniões com a MRS, assisti à apresentação de um projeto de monitoramento eletrônico de comboios ferroviários em tempo real, que utilizava sensores instalados nos trilhos para identificar anomalias e prevenir acidentes — um conceito análogo aos sistemas de controle embarcados em aeronaves, com os quais eu havia trabalhado quando presidia a Brazilian Helicopter Services (BHS).
Esses diálogos me permitiram não apenas compreender a conjuntura do setor, mas também confirmar a relevância institucional e simbólica da Revista Ferroviária, que funcionava como elo entre a engenharia ferroviária e a formulação de políticas públicas de transporte.
As Questões Estratégicas-Chave (KSIs)
Com base nos subsídios coletados e nas análises realizadas, elaborei uma matriz SWOT, da qual emergiram as principais Questões Estratégicas-Chave (KSIs):
Desafios estruturais do setor ferroviário brasileiro
Posicionamento da Revista Ferroviária como agente de transformação e difusão técnica
Alternativas para garantir equilíbrio financeiro sustentável
Reforma editorial e atualização gráfica da publicação
Aprimoramento da gestão e do modelo de negócios da feira Negócios nos Trilhos
Reestruturação da governança e dos processos de gestão da empresa
Diretrizes e Projetos Estratégicos Implementados
Após amplo debate e validação do material, o editor decidiu implementar um conjunto articulado de projetos estratégicos, muitos dos quais resultaram em mudanças profundas e duradouras:
Criação do Conselho Curador
Formado por lideranças e empresas mantenedoras do setor ferroviário.
Responsável por aportes de capital estáveis, assegurando o equilíbrio financeiro sem comprometer a independência editorial.
Instituição de um
Caderno Técnico de Aspectos Ferroviários Relevantes
Encarte destacável dedicado à publicação de artigos técnicos de especialistas, consolidando-se como referência nacional para engenheiros, gestores e estudiosos do setor.
Reforma editorial e gráfica da Revista Ferroviária
Modernização integral da identidade visual e da diagramação, sob direção artística de um ex-diretor do Jornal do Brasil.
Transformação da redação da REVISTA FERROVIÁRIA em uma UNIDADE DE NEGÓCIO, com participação nos resultados, elevando a motivação da equipe.
Profissionalização da gestão da feira Negócios nos Trilhos
Criação de uma segunda UNIDADE DE NEGÓCIO, gerida por uma colaboradora de destaque, que passou a atuar como empreendedora interna, com participação nos lucros e metas próprias.
Equilíbrio financeiro entre ciclos anuais e bianuais
Parte dos resultados da feira passou a ser destinada ao ressarcimento dos mantenedores e à bonificação dos gestores das unidades de negócio.
Criação de um Conselho de Administração
Integrado por personalidades de grande prestígio do setor ferroviário, fortalecendo a governança e a credibilidade institucional da empresa.
Resultados Obtidos
Os efeitos foram muito expressivos:
O Conselho Curador garantiu estabilidade financeira e legitimidade ao projeto editorial.
O Conselho de Administração elevou o prestígio institucional da empresa.
A nova identidade visual projetou a revista ao patamar das melhores publicações internacionais.
As duas Unidades de Negócio aumentaram a produtividade, o comprometimento e a rentabilidade.
O Caderno Técnico tornou-se fonte de prestígio para os profissionais do setor, que passaram a disputar espaço em suas páginas.
E, acima de tudo, a empresa recuperou sua credibilidade empresarial e sustentabilidade operacional.
A Proposta de Aqusição e a Defesa do Legado
Com a visibilidade conquistada por essas realizações, tanto a nova Revista Ferroviária, como a dinamizada feira Negócios nos Trilhos despertaram o interesse para a sua aquisição por parte de de um grupo internacional com sede na Inglaterra, especializado na organização de grandes eventos corporativos.
A proposta de aquisição parecia tentadora, mas as ofertas iniciais subavaliavam fortemente o ativo.
A pedido do editor, elaborei uma Valuation detalhada, fundamentada em critérios técnicos e estratégicos.
Durante as negociações, a arrogância dos representantes estrangeiros foi neutralizada pela solidez dos meus argumentos — e o negócio não foi concretizado naquele momento.
Ao final, Gerson Toller declarou que essa fora “a melhor negociação que não realizou em sua vida”, expressão que simbolizou a confiança e a amizade que se consolidaram entre nós.
Esse reconhecimento, mais do que qualquer honorário de sucesso, representou a verdadeira recompensa por minha atuação.
Epílogo: O Legado e a Despedida
Alguns anos mais tarde, já atuando entre Brasil e Canadá, soube com tristeza que Gerson Toller, já bastante debilitado, havia decidido vender a empresa para o grupo britânico UBM (United Business Media) — desta vez por um valor muito próximo à avaliação que eu havia realizado.
A transação marcou o encerramento de um ciclo histórico, mas assegurou a continuidade da revista e da feira sob uma nova estrutura.
Embora não tenha recebido o success fee previsto contratualmente, cuja validade já havia terminado, senti que havia cumprido meu verdadeiro papel: preservar a existência da mais tradicional revista setorial do país e garantir a sobrevivência de um evento vital para o setor ferroviário brasileiro.
Reflexão Final
A experiência com a Revista Ferroviária sintetiza um dos aspectos mais gratificantes da minha trajetória: a possibilidade de unir racionalidade estratégica e compromisso humano, preservando legados empresariais que transcendem o lucro — porque representam, acima de tudo, a história e o progresso de um setor essencial para o desenvolvimento nacional.
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